Um ano da tragédia-crime da Vale – Uma retrospectiva na visão dos familiares.

O dia é 25/01/2019. Brumadinho amanheceu ensolarado, parecia um dia normal como qualquer outro. Muitos vestiram seus uniformes de trabalho e foram em busca do seu sustento de forma digna e honesta. Eles se orgulhavam em trabalhar na VALE. Davam o sangue pelo trabalho, mas não sabiam que, literalmente, seu sangue seria derramado pelas mãos da própria empresa a que tanto se dedicaram. Nossas joias foram mortas devido a uma ação criminosa, cujos executores tinham consciência dos riscos e das consequências deste rompimento.

Muitos estavam em seu lar, localizado nas imediações da Mina do Córrego do Feijão. Jamais imaginavam que o local que consideravam mais acolhedor, se tornaria o local de seus maiores lamentos. Outros desfrutavam de um momento de lazer na Pousada Nova Estância. Se encontravam para um momento de descanso de suas rotinas, conheceriam as belezas de nossa cidade e jamais imaginaram que esse descanso seria eterno. Ali também estavam trabalhadores que esperavam ao fim do dia retornar seguros para suas casas.

O dia é 25/01/2019, o horário, 12h28.  Horário de almoço: uma hora sagrada. A VALE, empresa a qual eles tanto se dedicaram, foi a mesma que os matou… Sim, eles foram assassinados/minerados á canetada fria e com requintes de crueldade.  Não havia estabilidade na barragem. O treinamento em 2018 foi feito com sirene de carnaval.  Nossas jóias não tiveram sequer a chance de correrem.

Hoje estamos adoecidos. Trancados em nossa dor. É doloroso demais relembrar como cada um de nós recebeu a notícia do rompimento da barragem. A empresa não foi capaz de nos comunicar. Assistimos tudo pela televisão. As lembranças que decorrem do dia 25/01/2019 absorvem nossas energias. Nós, familiares das vítimas, procuramos não pensar na forma como cada uma de nossas jóias foi levada por essa onda de rejeitos minerários. Mas hoje, 25/01/2020, mesmo com o coração dilacerado por uma ferida que não cicatriza, estamos aqui para lembrar a barbárie que vitimou nossas 272 jóias.

Essa atrocidade, desumana e brutal, não aconteceu apenas com aqueles que tiveram suas vidas ceifadas de forma brutal e cruel pela lama de sangue da Vale, mas também com cada um de nós que ainda está aqui. Uma parte de nós morreu ali, junto com cada uma das 272 pessoas. Um pedaço do nosso coração parou de bater no dia 25 de janeiro.

A procura pelos nossos familiares, a falta de notícias, a ausência de contato desta empresa assassina, durou muitos dias e meses. As cenas de um pós-guerra que dominaram a cidade de Brumadinho permanecem vivas em nossas memórias. Nunca vamos nos esquecer do barulho dos helicópteros que sobrevoavam incessantemente a cidade. Os caixões fechados, a rotina de IML, a identificação de segmentos de corpos… São muitas recordações que continuam nos matando.

Passou-se um ano e a chacina (que não seu deu por acaso, como em muitas tragédias) continua ocorrendo. Milhares de pessoas morrendo por dentro. Além dos animais, do rio, das comunidades ribeirinhas e indígenas, todos condenados a uma morte lenta e desassistida. As ruas e vegetação de Brumadinho estão imundas  de  minério,  o  qual  insiste  em  se  impor  diante  dos  moradores  diariamente, sugerindo que nada se pode fazer contra a ganância.

Nossos amores foram enterrados vivos. Foi crime. Não foi acidente, foi crime! Foi o maior crime trabalhista da história do Brasil. E nós queremos respostas. Aonde estão os culpados? Até quando os assassinos ficarão soltos? Quando serão finalmente penalizados? Quando a reparação integral será efetivamente realizada? Quando a justiça desmascarará a Vale de sangue e dor?

Até quando nós vamos ter que morrer em nome da ganância de alguns? Até quando nossas vidas continuarão sendo ceifadas pelo minério de sangue? Quem será a próxima vítima? 20 pessoas em Mariana e 272 em Brumadinho não serão suficientes? É inaceitável que outras cidades, famílias tenham que passar pelo o que estamos passando. Nossas joias não morreram por nada. O sangue delas precisa ser honrado. E eles só serão honrados se alterarmos esse jeito mortífero de minerar. Que nenhuma pessoa morra em nome desse modelo predatório de mineração. Basta de rompimento de barragem! Queremos a aprovação de leis que já tramitam no Senado e que protejam outras vidas e cidades:

  • Queremos a lei do Ecocídio (PL 2787/19)
  • Queremos a lei do Programa Nacional dos Direitos das Populações Atingidas por Barragens (PL 2788/19)
  • Queremos maior rigor na política nacional de segurança de barragens (PL 2791/19)
  • Queremos reforço das ações de defesa civil antes do início dos empreendimentos de mineração (PL 2790/19)

Nossas famílias e nossas vidas nunca mais serão as mesmas sem as nossas joias! Estamos aqui para homenagear e honrar cada uma delas e pedir, mais uma vez, JUSTIÇA! Foram dias, meses e agora um ano sem encontrar seu familiar tão amado! Em busca da pior notícia que alguém que ama, pode receber, mas é a notícia mais esperada por quem aguarda pelo encontro de seu familiar. Ainda esperamos e lutamos pelo encontro das 11 joias. Não passou e não acabou… Vamos continuar até que a última jóia seja encontrada. Pedimos a Deus que nos fortaleça para cumprir a nossa missão.

Hoje temos a triste certeza e o vazio no coração. Perdemos filhos, pais, esposos, irmãos, primos, sobrinhos, amigos…  que estavam naquele lugar para cumprir com afinco e dedicação sua jornada de trabalho.

Por conta da irresponsabilidade e ganância de pessoas sem coração e sem escrúpulos, que sabiam que a tragédia poderia acontecer e nada fizeram para impedir, demonstrando a maior falta de caráter e consideração por seus funcionários, hoje quase 300 famílias vivem a mesma dor e tristeza…

A vida se tornou vazia para quem perdeu seu filho, pai, mãe, companheiro, irmão, neto, amigos, a casa não é mais a mesma e nunca será. A tristeza estampada no nosso olhar, em busca, quem sabe, de uma resposta, de uma cura para seus corações nos faz sangrar de tanta dor. Tudo acabou, a rotina do dia a dia, os projetos, o cheiro, tudo sei foi na lama … Hoje conseguimos perceber a falta do barulhinho do portão que se abria religiosamente no final da tarde… este pequeno detalhe anunciava que nossas vidas seguiam em frente e hoje não mais, nossa vida parou. Buscamos nos espaços vazios, mas nossa vista não mais alcança aqueles a quem escolhemos no sim do altar para construir conosco uma família, aquele que geramos com tanto amor, aquele que crescemos juntos, que partilhamos tantas alegrias e desafios. Hoje, um ano depois, ainda seguimos sem rumo, sem sorrisos, pelos filhos, netos, irmãos, mães, pais, amigos e na esperança viva em Deus, porque Ele nunca nos decepcionará.

Seguimos com fé, coragem e luta para que ninguém nunca mais sofra o que estamos sofrendo. Para que não haja mais vitimas. Para que matar em nome do lucro tenha fim. Para que os crimes de Mariana e Brumadinho não se repitam nunca mais. Para que a vida, nosso bem mais precioso e valoroso, seja cuidada, preservada e honrada, em todas as suas dimensões.

Olhemos ao nosso redor. Nós somos os sobreviventes. Nós somos o povo comprometido com a luta de um mundo mais justo e menos desigual. As 272 jóias não falam mais. Por isso, a responsabilidade de gritar não é delas porque elas já deram tudo: a vida. A responsabilidade é nossa e o futuro é agora. Nós vamos continuar lutando pela vida, por justiça e pela honra de nossos amores.

MUITA FÉ E QUE DEUS NOS PROTEJA SEMPRE!

Abraços da família AVABRUM