Andresa Rodrigues*
“Recebemos uma ligação do Instituto Médico Legal. Queriam avisar que identificaram a minha irmã e confirmar a morte dela. Perguntei se o corpo todo havia sido resgatado. O funcionário disse: apenas o pé foi encontrado”.
“Após a ligação do Instituto Médico Legal confirmando a identificação do meu irmão, fomos imediatamente para lá. Quando chegamos lá, avisaram que somente a cabeça e um braço foram localizados”.
“Quando recebi o laudo, o que mais chocou é que a minha cunhada ‘viveu’ 40 minutos de agonia e sofrimento de asfixia pela lama de minério até perder a vida”.
Os episódios narrados acima são relatos de familiares das 272 pessoas mortas no devastador e violento rompimento da barragem Mina Córrego do Feijão, da Vale, em Brumadinho, em 25 de janeiro de 2019.
Como é de amplo conhecimento – e com provas materiais e fáticas – existiu no rompimento da barragem uma trama corporativa que o Ministério Público classificou como “homicídio doloso”. Foi uma tragédia-crime.
Os fatos são claros: a mineradora Vale e seus executivos – inclusive os da certificadora Tüv Süd – não disseram toda verdade para as autoridades (Agência Nacional de Mineração), ocultaram dos investidores riscos iminentes da barragem e enganaram trabalhadores e comunidade (prometendo que a barragem era o lugar mais seguro do mundo).
Há no processo provas de que a situação de risco era grave. Documentos internos da empresa revelam que a mina de Brumadinho estava entre as dez estruturas da Vale com maior instabilidade e possibilidade de rompimento.
A constatação da verdade, demonstrada nas investigações e perícias da Polícia Federal, Civil e 5 CPIs (Comissões Parlamentares de Inquérito), é que atos criminosos foram cometidos por dezenas de executivos das empresas Vale e Tüv Süd. No comando, estava Fábio Schvartsman, então presidente da Vale.
A decisão do Tribunal Federal Regional de Minas Gerais (TRF6) de tirar o ex-presidente da Vale do processo penal, sem sequer ter início o julgamento, significa praticamente um atestado de inocência. Um prêmio à impunidade.
O jurista Dalmo Dallari escreveu que “a igualdade jurídica, se imposta onde não há igualdade de fato, é o começo da injustiça”.
No caso de Brumadinho, a disparidade entre a comunidade e familiares das vítimas e o poder corporativo é notória. Esperava-se, assim, que a Justiça não frustrasse as esperanças por direito e punição exemplar para evitar que negligência e ganância sejam gatilhos para novas tragédias. Lembrando que na atividade mineradora, quase 470 barragens no Brasil estão em situação de risco.
A AVABRUM, consternada, perplexa e indignada, repudia a decisão injusta proferida neste março de 2024. Cinco anos depois, a única certeza é a violência cometida contra 272 vidas humanas, além da degradação de rios e matas.
Vamos recorrer até às últimas instâncias. Desistir nunca será nossa opção.
Esperamos que um dia a Justiça abrace e reconheça de fato os únicos inocentes da tragédia-crime de Brumadinho: 272 vidas. Que a Justiça possa se importar com vidas. E seguiremos nossa luta por Justiça, memória, encontro dos restos mortais de três vítimas (Maria de Lurdes da Costa Bueno, Tiago Tadeu Mendes da Silva e Nathália de Oliveira Porto Araújo) e pela não repetição.
*Andresa Rodrigues é mãe de Bruno Rocha Rodrigues, engenheiro morto na tragédia-crime da Vale em Brumadinho, e atual presidente da AVABRUM (Associação dos Familiares de Vítimas e Atingidos pelo Rompimento da Barragem Mina Córrego do Feijão-Brumadinho).