Do alto do mirante, onde é possível visualizar todo o campo por onde a lama da Vale passou, matando 272 pessoas, familiares das vítimas com cânticos e orações homenagearam seus entes queridos. No local, continuam as buscas por Tiago Tadeu, Nathalia e Maria de Lurdes, as três vítimas ainda não encontradas. Após 4 anos e 9 meses do crime, ninguém foi responsabilizado.
Brumadinho, 3 de novembro de 2023 – Na manhã de ontem, Dia de Finados, os familiares das vítimas do rompimento da barragem da Vale em Brumadinho se reuniram dentro da Mina Córrego Feijão. No alto do mirante, onde é possível ver todo o campo por onde a lama de rejeitos passou em 25 de janeiro de 2019, foi realizada uma homenagem à memória das 272 pessoas que perderam a vida na tragédia-crime. A solenidade, exclusiva para os familiares, teve início no letreiro de Brumadinho, onde também foi feita uma oração, e seguiu para o local do colapso.
Ainda no letreiro, Kenya Lamounier, tesoureira da Avabrum, que perdeu o marido na tragédia, Adriano Lamounier, fez a abertura do ato.
“Eles não estão mais na nossa presença, mas continuam no nosso legado de recordações, patrimônio vivo das nossas lembranças. Nós eternizamos a história da vida daqueles que amamos quando passamos para as gerações futuras acontecimentos e fatos ocorridos, e assim, perpetuamos a memória dos nossos, vencemos a morte”, afirmou.
Já dentro da mina, houve cânticos e orações, pedidos por justiça, encontro de Tiago Tadeu, Maria de Lurdes Bueno e Nathália Araújo (três vítimas ainda não localizadas), memória, direito dos familiares e não repetição do crime da Vale. No evento, ministraram a palavra o bispo Dom Joel e o pastor Walas Vieira, da igreja presbiteriana de Brumadinho.
“A gente vai porque tem que fazer, a gente vai porque é necessário cuidar dessa memória e não deixar que esqueçam. Eu não sei que papel Deus quer de mim nessa vida. Eu tenho perguntado muito isso para Deus. Você estar ali, naquele local, e saber que tantas pessoas foram mortas injustamente, e entre essas pessoas tem a minha filha. Muitas pessoas não conseguem fazer isso. E é por isso, que no ato que nós fazemos mensalmente, e nesses tipos de ações, a gente sempre traz uma pessoa de autoridade para falar de Deus, porque tem hora que nem mesmo nós sabemos como ficamos em pé”, apontou Maria Regina da Silva, mãe da técnica de manutenção Priscila Elen Silva, que morreu no rompimento.
Para Andresa Rodrigues, mãe de Bruno Rodrigues, também vítima da tragédia-crime, estar no epicentro do colapso é um mix de sensações. “Ao mesmo tempo que a gente se revolta, porque isso acompanha a gente já vai fazer 5 anos, revolta saber que a Vale levou menos de 1 minuto para matar, e lá se vão 5 anos de impunidade. A injustiça impera. Esse é um dos primeiros sentimentos que vem quando chego aqui. E, ao vivenciar esse momento com os familiares, a gente percebe nossa união e nossa força, e a certeza de que nós não desistiremos”, disse a presidente da AVABRUM (Associação dos Familiares de Vítimas e Atingidos pelo Rompimento da Barragem Mina Córrego do Feijão-Brumadinho).
Já para a engenheira Josiane Melo, que perdeu a irmã Eliane Melo grávida de 5 meses no rompimento, olhar para o colapso é reviver memórias e revisitar sonhos que foram soterrados com a lama. Josiane também trabalhava dentro da mina, mas estava de férias quando aconteceu o rompimento.
“Eu me lembro de ter vivido momentos felizes com toda equipe que trabalhava aqui. 249 trabalhadores perderam suas vidas. Nessa imensidão de lama eu consigo ver muito sangue, muita dor, muito sofrimento. Já se passaram quase 5 anos e a impressão que eu tenho é a mesma: é como se fosse um cenário de guerra, que nós perdemos. Perdemos 272 joias. E eu lembro de todos os meus amigos que aqui trabalhavam, da alegria que era esse lugar, de quantos sonhos a gente tinha de crescimento, realização profissional, que foi tudo por lama abaixo por ganância, por causa de uma empresa que não colocou a vida antes do lucro”, disse Josiane.
Com risco de chuva, os todos participantes receberam uma sombrinha vermelha personalizada da AVABRUM, organizadora da ação, com a inscrição “272 joias presentes”, que é como os familiares chamam as vítimas fatais do desastre. Apesar do tempo nublado, o item foi usado para aliviar o sol que predominou na circunstância.
No final do ato, 272 balões foram soltos, sendo 269 pretos e 3 amarelos, simbolizando as vítimas ainda não encontradas. Além disso, rosas amarelas foram colocadas nos bancos de minérios, em frente às áreas de buscas.