Após ouvir relatos de representantes das vítimas das tragédias de Brumadinho, Mariana, Maceió, Boate Kiss e Ninho do Urubu, Comissão Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos afirma que os casos representam violações e mortes provocados pela ação ou omissão de grandes empresas. Organismo recomendou ao estado a regulamentação preventiva.
O Estado brasileiro pode ser internacionalmente responsabilizado por atos ou omissões de empresas privadas que violem os direitos humanos no Brasil. A afirmação é da Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) da Organização dos Estados Americanos (OEA), que ainda recomendou que, para evitar novas tragédias que violam os direitos humanos e provocam mortes, o Estado precisa fortalecer a regulamentação preventiva e melhorar a coordenação entre as diferentes autoridades federais e estaduais. As recomendações da CIDH são de cumprimento obrigatório.
As considerações da CIDH foram o resultado de audiência pública realizada em julho, quando foram ouvidos os relatos de organizações sociais representantes das tragédias-crime de Brumadinho e Mariana, em Minas Gerais; Maceió, em Alagoas; Boate Kiss, no Rio Grande do Sul; e Ninho do Urubu, no Rio de Janeiro. Juntas, essas tragédias mataram 544 pessoas, deixaram centenas de milhares de sobreviventes com sequelas físicas e emocionais graves e ainda marcaram com dor, indignação e revolta famílias inteiras – centenas precisaram se mudar ou ficaram desalojadas – e comunidades.
Segundo a CIDH, há também preocupação com a criminalização das famílias das vítimas que estão buscando justiça no Brasil. Durante a audiência, os familiares denunciaram a morosidade das ações penais e a perseguição de vítimas e familiares que se opõem aos processos de reparação ou mesmo reclamam da justiça comum.
“Denunciaram a falta de medidas estatais para prevenir desastres e a ausência de consulta prévia às comunidades afetadas, além de práticas de racismo ambiental. As comunidades afetadas foram vítimas de práticas de racismo ambiental. Destacaram a impunidade que prevalece nesses casos, a exclusão das vítimas nos processos judiciais e a falta de reparação integral dos danos e a criminalização dos familiares que buscam justiça”, destacou a comissão. O resumo da audiência foi publicado no site da CIDH.
‘Impunidade total’
A audiência na CIDH / OEA aconteceu no dia 12 de julho. A entidade congrega 34 nações e é o principal fórum político, jurídico e social do hemisfério. No encontro, estiveram presentes organizações sociais que reúnem vítimas dos rompimentos das barragens da Vale, em Brumadinho (2019), e da Vale e da BHP, em Mariana (2015); do afundamento causado pela Braskem com a exploração do subsolo em Maceió (2018); e dos incêndios da Boate Kiss (2013) e do alojamento Ninho do Urubu, do Flamengo, no Rio de Janeiro (2019).
Apesar de serem tragédias tão diferentes em sua natureza, elas guardam em comum a irresponsabilidade movida pela ganância e a impunidade – até hoje, ninguém foi responsabilizado por nenhum desses crimes.
Após ouvir o relato dos representantes de vítimas, a presidente da CIDH, Roberta Clarke, ressaltou que há impunidade nos casos. “Existe uma certa impunidade total, não só penal, mas também civil. Parece haver lacunas imensas nesses casos. É uma falha na aplicação da lei”, afirmou a representante da OEA.
Estiveram representados no encontro a Associação dos Familiares de Vítimas e Atingidos pelo Rompimento da Barragem Mina Córrego do Feijão-Brumadinho (AVABRUM), a Associação dos Familiares de Vítimas e Sobreviventes da Tragédia de Santa Maria (AVTSM), a Associação Quilombola Vila Santa Efigênia e Adjacências – Mariana/MG, a Associação de Movimento Unificado das Vítimas da Braskem (MUVB), Associação dos Familiares de Vítimas do Incêndio do Ninho do Urubu (AFAVINU), o Movimento pela Soberania Popular na Mineração (MAM) e a Comissão de Atingidos pela Barragem de Fundão (CABF).